AS DORES, PERDAS E REVEZES DE ROBERTO CARLOS - UM HOMEM QUE TEVE DE RECOMEÇAR VÁRIAS VEZES

 

Roberto pensativo: capa interna do álbum de 1986

Aos 82 anos, Roberto Carlos acumula em sua longeva vida marcas indeléveis que esta lhe desferiu pelo caminho. Como se já não bastasse seu característico olhar triste, explícito como na icônica capa do LP de 1972, Roberto sofreu ao longo dessas 8 décadas dores, perdas e revezes que o levaram a ter que se reinventar várias vezes. E tudo começou muito cedo, ainda na sua pequena Cachoeiro de Itapemirim, quando aos seis anos sofreu o acidente com a locomotiva que o levou a amputar parte da perna direita. Este é um verdadeiro tabu na vida do cantor, algo que até hoje ele nunca relatou explicitamente ou quis comentar. Foi um dos mais fortes motivos que o levaram a entrar com uma ação na Justiça contra a biografia não autorizada, Roberto Carlos em Detalhes, escrita por Paulo Cesar de Araújo, um dos seus mais ardorosos fãs.O fato é tratado apenas discretamente em canções confessionais como Traumas e O Divã e toda vez que alguém quis arrancar algo dele em entrevista sobre esse assunto, ele sempre tangenciou. Seria Roberto Carlos complexado por usar uma prótese na canela direita que, inclusive, o faz visivelmente mancar quando adentra o palco ou está nele?
O acidente com a locomotiva ocorreu no dia 29 de junho de 1947 (coincidentemente fazem 76 anos hoje quando escrevo este trecho) num dia de festejo e agito em Cachoeiro, já que era o dia de São Pedro, padroeiro da cidade. Roberto - então apelidado de Zunga ou Zunguinha - tinha apenas seis anos de idade e o insólito por pouco não tirou-lhe a vida. Em Traumas, sua primeira canção confessional registrada no álbum de 1971, o trecho que alude ao acidente diz "Falou dos anjos que eu conheci/no delírio da febre que ardia/no meu pequeno corpo que sofria/sem nada entender...". Já em O Divã, de 1972, os versos "Relembro bem a festa, o apito/e na multidão um grito/o sangue no linho branco/a paz de quem carregava em seus braços quem chorava..."  é o mais próximo do que o cantor já chegou a compartilhar com o público sobre o acidente que o fez perder o terço médio da canela direita.
A expressiva e marcante pose na capa do álbum de 1972 
O tempo passaria e já usuário de uma prótese, aos 23 anos, Roberto Carlos escaparia pela segunda vez da morte. Ele já era sucesso, mas não ainda o fenônemo de popularidade que lhe adornaria com a coroa de rei. Naquele tempo, o cantor ainda não podia  dispensar as pequenas apresentações em circos e foi essa necessidade que o levou à cidade de São Lourenço, interior de Minas Gerais. Roberto estava a bordo do seu Bel Air Conversível em julho de 1964 no qual se revezava ao volante com o seu então baterista, Dedé. Com eles estava ainda o então secretário e mordomo do cantor, José Mariano (o Nichollas Mariano). Já na cidade mineira, eles encontraram com Roberto de Oliveira, secretário de Nélson Gonçalves e que também trabalhara com Cauby Peixoto. Oliveira propôs a Roberto cantar num circo em Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, de propriedade do palhaço Chupeta. Roberto aceitou a proposta e lá se foi com eles para a apresentação. Em chegando lá, Oliveira lembrou de outro circo localizado na cidade de Três Rios, que ficava apenas a 70 quilômetros de Paraíba do Sul. Após a 2ª apresentação, voltariam para esta cidade, mas em certo trecho do caminho, o carro derrapou, Roberto que dirigia, pisou no freio, a inércia fez o veículo capotar e ficar com as quatro rodas para cima. Todos foram cuspidos, mas Roberto de Oliveira levou a pior, pois bateu com a cabeça numa rocha pontiaguda e fraturou o crânio. Roberto Carlos ficou caído no acostamento com um profundo corte no lado direito do pescoço. Dedé e o palhaço Chupeta (que também viajara a Três Rios) sofreram apenas leves escoriações. José Mariano foi o único que não se machucou, porém ficou preso debaixo do painel do veículo. Um motorista que vinha no sentido contrário parou para prestar os primeiros socorros. Por providência divina, ele era médico. Oliveira foi levado inicialmente para a Santa Casa de Três Rios, mas como seu estado era grave, ele foi transferido para o Hospital Souza Aguiar, no Rio.
Como tinha acertado a apresentação em Paraíba do Sul e haviam ingressos vendidos, Roberto Carlos foi para lá cumprir a agenda. Abatido, com hematomas nos braços e um lenço no pescoço para estancar o sangue, ele cantou apenas 3 músicas: Malena (rock-balada ao estilo "Diana", do seu 3º compacto simples, lançado em abril de 1962), Splish SplashParei Na Contra Mão (estas, seus dois primeiros hits do seu 2º LP). Após explicar o que tinha acontecido e vendo a plateia que ele falava a verdade, foi descansar num hotel. Pela madrugada, recebeu a triste notícia do falecimento de Roberto de Oliveira. Roberto Carlos ficou desolado. Ao voltar para o Rio, passou dias sem sair de casa, não indo a shows nem saindo para visitar as rádios, nas quais sempre tentava convencer os locutores a tocar suas músicas. O corte que o cantor sofreu no pescoço resultou numa cicatriz que ele carregou durante 43 anos, até que em 2007, submeteu-se a uma cirurgia plástica para corrigi-la. 
Nesta foto de 1965, é possível ver a antiga cicatriz
 
Uma foto da época mostrando como ficou o Belair de RC

 




Quase dois anos depois, em junho de 1966, já ultrafamoso e coroado "Rei da Juventude", Roberto Carlos sofre outro acidente - por uma inacreditável coincidência, indo outra vez para São Lourenço-MG. Desta vez, o cantor saiu de São Paulo numa limusine presidencial dirigida pelo seu motorista, Eurico. Com o cantor, estava o seu baixista Bruno Pascoal, o qual era integrante do núcleo original de sua banda, o RC-3, e Sérgio Castilho, cunhado de Eurico. O outro integrante, Dedé, seu baterista, tinha se atrasado e ficado para trás vindo num Gordini em companhia de Alfredo, outro funcionário do cantor. Indo à frente em sua limusine, Roberto e seus companheiros tiveram que descer do veículo, pois este teve um problema no motor. Ao ficarem na estrada, acabaram alcançados por Dedé e Alfredo, que vinham no Gordini, um carro bem menor e menos espaçoso naturalmente. Todos os seis a bordo, perto de São José dos Campos-SP, a mesma cena: o veículo capotou e por pouco não caiu num rio próximo, o que poderia matar, se não todos, mas alguns dos seus ocupantes. Por mais uma dessas ironias, uma pedra impediu que o Gordini mergulhasse no rio. Se dois anos antes uma pedra tirara a vida de Roberto de Oliveira, uma pedra salvou daquela vez a vida de seis pessoas.
As perdas e os revezes familiares
Roberto Carlos conheceu Cleonice Rossi, sua futura 1ª mulher, em 1966, quando ainda, bastante desapontado, lutava para esquecer Magda Fonseca, a sua maior paixão antes de se tornar sucesso absoluto. Magda era filha do empresário Alceu Nunes Fonseca, dono da Rádio Carioca, do Rio, onde ele foi pessoalmente divulgar seu 1º LP "Louco Por Você", em 1961. A princípio, Alceu não desejava que sua filha trabalhasse em rádio, mas dada a pouca audiência da emissora, Magda fez algumas experiências que atraíram o público jovem e seu pai acabaou cedendo, mas com uma condição: não se envolver com ninguém do meio artístico. Acontece que Roberto Carlos se encantou com a moça, cortejou-a e logo passaram a namorar para contragosto de seu Alceu. O namoro ía bem e talvez se não fosse a interferência do pai de Magda, esta poderia ter se tornado a 1ª esposa do cantor.
Alceu imaginava que Magda sofreria se envolvendo com um artista e por volta de meados de 1965, o sucesso de Roberto Carlos só aumentava a cada disco. Foi aí que Alceu teve a ideia de sugerir uma viagem para a Magda aos EUA, como pretexto dela estudar inglês por 6 meses. Entusiasmada com a oportunidade de estar na terra do Tio Sam, ela resolveu ficar um ano inteiro, o que chateou e desgostou profundamente Roberto Carlos. Tem naquele período o início de uma série de canções compostas pelo cantor as quais têm a sua paixão por Magda como referência. Poucos sabem, mas a inspiração para compor Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, responsável por coroá-lo "Rei da Juventude" partitu da saudade que Roberto sentia de Magda. A maior delas não gravada logo de imediato - só a gravou em 2005 - foi "A Volta", registrada pela dupla Os Vips. Nesta, a letra ainda reflete a esperança do cantor de Magda voltar para os seus braços. Outra, também gravada pelos Vips, foi "Faça Alguma Coisa Pelo Nosso Amor", porém, pela letra, dá para deduzir que a esperança virou apelo.
Quando Magda finalmente retornou, no início de 1966, Roberto já era o cantor mais badalado da música brasileira, havia conhecido Nice e compôs outra canção pensando em Magda, mas desta vez, com uma sonora alfinetada na ex-namorada. Tratava-se de "Tenho Um Amor Melhor Que o Seu", inicialmente gravada por Antonio Marcos, mas que veio a ser sucesso de fato com José Roberto. 
Bom, aí se tratava de um drama sentimental experimentado por Roberto. Ao conhecer Nice, que era apenas desquitada na época, pois não havia ainda o divórcio no Brasil, ele veio a superar a decepção amorosa com Magda. Do fruto de seu casamento com Nice, veio Dudu Braga - na época, Segundinho - que nascera em 14 de dezembro de 1968. Tendo nascido com glaucoma congênito, Dudu foi o primeiro drama familiar por que passou Roberto. A constatação da gravidade do problema oftalmológico de Segundinho - que poderia levá-lo à cegueira - fez com que Roberto Carlos e Nice viajassem às pressas em 1969 à Holanda, aonde souberam existir o tratamento mais avançado do mundo naquele momento. Foi num quarto de hotel naquele país, em pleno inverno rigoroso, que ele compôs As Flores do Jardim da Nossa Casa imaginando o jardim de sua mansão no Morumbi, em São Paulo, fenecendo sem a presença de seu filho querido. Como Roberto deve ter desejado o colo de sua mãe (Lady) Laura para afagar-lhe os cabelos e dizer-lhe que tudo daria certo no dia seguinte.
Nesse mesmo disco, ele compôs - também em parceria com Erasmo - uma canção que pela primeira vez abordava a questão da crise num relacionamento. Era a belíssima Sua Estupidez. É bom reconhecermos, que mesmo em sua fase mais roqueira e despojada, Roberto Carlos sempre foi romântico. Como diz acertadamente Paulo Cesar de Araújo (seu biógrafo não autorizado e processado): a diferença básica é que na década de 1960, suas canções eram mais roqueiras, enquanto que a partir da década de 1970, elas se tornaram mais baladistas. Na época da Jovem Guarda, Roberto gravou temas românticos, mas estes falavam em geral de romances fortuitos, de paixões juvenis. A primeira canção mais notadamente romântica que ele gravou foi Nossa Canção, do álbum de 1966, mas esta era de autoria de Luiz Ayrão. No álbum seguinte, "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura", estava Como é Grande o Meu Amor Por Você, mas esta não refletia nenhuma crise e sim um momento de amor correspondido. Em "O Inimitável", de 1968, havia Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo, mas sua letra fala apenas de separação momentânea, de um casal que está longe um do outro temporariamente e o arranjo é soul, à base de metais e cordas. Nesse mesmo disco, ele compôs com Erasmo outra pérola soul As Canções Que Você Fez Pra Mim, mas a sua inspiração foi o fim do romance entre seu baterista Dedé e a sua colega de Jovem Guarda, Martinha. Em "Sua Estupidez" ouvimos Roberto pela primeira vez explorando um tema romântico com nuances mais complexos. E qual teria sido a sua inspiração? Foi uma situação vivida ou imaginada?
Bom, segundo ainda Araújo, Roberto chamava Nice de "meu bem" e a letra da canção começa exatamente por essa expressão.
Meu bem, meu bem
Você tem que acreditar em mim
Ninguém pode destruir assim
Um grande amor
Não dê ouvidos à maldade alheia
E creia
Sua estupidez não lhe deixa ver
Que eu te amo
Meu bem, meu bem
Use a inteligência uma vez só
Quantos idiotas vivem só
Sem ter amor
E você vai ficar também sozinha
E eu sei porque
Sua estupidez não lhe deixa ver
Que eu te amo
Quantas vezes eu tentei falar
Que no mundo não há mais lugar
Pra quem toma decisões na vida sem pensar
Conte ao menos até três
Se precisar conte outra vez
Mas pense outra vez
Meu bem, meu bem, meu bem
Eu te amo
Meu bem, meu bem
Sua incompreensão já é demais
Nunca vi alguém tão incapaz
De compreender
Que o meu amor é bem maior que tudo
Que existe
Mas sua estupidez não lhe deixa ver
Que eu te amo
Conte ao menos até três
Se precisar conte outra vez
Pense outra vez
Meu bem, meu bem, meu bem
Eu te amo
Eu te amo

Eu te amo
Pelo que pesquisamos, Nice era bem ciumenta e o assédio feminino ao cantor lhe incomodava bastante. Isso causava brigas e consequentes crises no relacionamento dos dois. Ao que parece, isso arrefeceu por um tempo e só foi recomeçar no curso final da década de 1970. Mais exatamente em 1977, Roberto teve a ideia de compor um tema na qual o eu lírico tomava a iniciativa, rompia o relacionamento e saía de casa. E foi justamente o que aconteceu no ano seguinte. O cantor decidiu terminar o seu relacionamento com Nice, deixou a mansão do Morumbi, em São Paulo, e voltou para o Rio, instalando-se inicialmente numa suíte do Copacabana Palace. No entanto, essa canção só ficaria pronta, bem ao gosto do perfeccionismo de Roberto Carlos, cinco anos depois, em 1982. Era a genial "Fera Ferida", o grande destaque do seu álbum daquele ano. Para o álbum de 1977, a canção mais explicita e que antecipava a separação ocorrida um ano depois era Sinto Muito Minha Amiga.
Dois anos depois de se separar da mãe de seus filhos, Dudu e Luciana, Roberto perdeu seu pai, Robertino Braga, aos 83 anos. Seu Robertino era do finalzinho do século XIX e mais velho 18 anos que a mãe de Roberto Carlos, dona Laura. Foi ele o responsável por sua primeira visita à Rádio Nacional numa de suas viagens de negócios ao Rio. Roberto ainda era criança. Já moradores da então capital federal, em Lins de Vasconcellos, seu Robertino deu ao filho caçula o seu primeiro violão. Roberto já era um adolescente de 17 anos. Por trabalhar o dia todo como relojoeiro e chegar em casa já tarde da noite, seu Robertino não pôde ser companhia constante ao filho. Já na época da Jovem Guarda, com Roberto bem-sucedido financeiramente, seu Robertino foi convencido pelo filho famoso a parar de trabalhar. Todavia, a falta de tempo devido aos inúmeros compromissos era então de Roberto. Ainda assim, o cantor se dava uma folga, largava tudo e ia pescar com o pai em algum rio, lago ou represa. No 1º semestre de 1979, Roberto decidiu também prestar uma homenagem musical a seu pai - já que havia feito uma à mãe, no disco anterior. Lançou-a em seu 19º LP, no penúltimo dia do ano. Era Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo, ode paterna que seu Robertino chegou a ouvir, mas quase um mês depois, no dia 27 de janeiro de 1980, internado no Centro Médico Bambina, em Botafogo, em decorrência de efisema pulmonar, agravado por problemas cardíacos, o patriarca da família Braga veio a falecer.
Roberto Carlos estava a bordo do seu iate Lady Laura II, quando recebeu a notícia pelo rádio da embarcação e correu para o hospital. No sepultamento realizado no Cemitério São João Batista, na zona sul do Rio, o cantor nem pôde acompanhar o féretro, dada a multidão que se juntou, entre curiosos e fãs que choraram junto com Roberto em sua primeira perda familiar mais próxima.
Uma década depois, Roberto Carlos perderia outra pessoa fundamental em sua vida: sua primeira esposa, Cleonice Rossi Braga, a Nice. A mãe de sua enteada, Ana Paula e de seus filhos, faleceu no dia 13 de maio de 1990, aos 49 anos, vítima de um câncer de mama que, em processo de metástase, atingiu o seu pulmão. Roberto, na época, estava já separado havia um ano de Myrian Rios e fazia uma temporada de shows em Miami, nos EUA. No dia anterior, na sexta-feira, foi informado que o quadro de saúde da ex-esposa havia se agravado bastante e voou para São Paulo passando o sábado com ela no hospital. Naquela noite, por uma grande ironia, um dia 13 - que o cantor nada procura fazer nessa data - Nice veio a óbito por insuficiência cardíaca. Seu corpo foi velado e sepultado no cemitério do Araçá. Em sua missa de 7º dia, todos cantaram Como é Grande o Meu Amor Por Você, canção que Roberto fizera para ela em 1967.
O maior dos sofrimentos do rei
As perdas anteriores e posteriores (que ainda vamos tratar aqui) foram perdas, ou naturalmente esperadas - caso de seus pais, pela idade avançada - ou relativamente súbitas (Ana Paula, Dudu, Lauro e Erasmo Carlos), o que atenuou o tempo de sofrimento do artista. No caso da perda de sua 3ª esposa, Maria Rita Simões Braga, 6 coisas somaram para se tornar o momento mais difícil de sua vida: 1) Ela foi muito provavelmente o maior amor da sua vida; 2) Eles conviveram 8 anos; 3) Ela foi a companheira mais presente e, talvez, mais dedicada a ele; 4) Eles se completavam e isto era perceptível a todos; 5) Ela partiu precocemente, aos 38 anos de idade e 6) O drama por ambos vivido durou 1 ano e 2 meses. O próprio cantor declarou que com a pedagoga paulistana, de 1,56 de altura viveu o período mais feliz de sua vida. 
A partir daquele dia 19 de dezembro de 1999, às 23 horas de um domingo, quando o coração de Maria Rita parou de bater, o cantor mais famoso e consagrado do Brasil sofreria a dor mais aguda que já lhe acometeu. Nunca antes um fato da vida pessoal de Roberto Carlos interferiu tanto em sua carreira. Já no final de 1998, ele não pôde completar o seu novo disco o qual saiu mutilado, com apenas 4 canções inéditas - uma delas inteiramente dedicada à mulher,Eu Te Amo Tanto - e 6 faixas aproveitadas de um show ao vivo. No ano seguinte, com o seu falecimento, pela primeira vez em 25 anos não houve o seu tradicional especial de Natal e em 36 anos não foi lançado o seu novo álbum de fim de ano. Roberto Carlos caiu num torpor, como disse, na época, sua amiga Hebe Camargo. A capa do 1º de seus álbuns dedicados à saudosa companheira, "Amor Sem Limite", de 2000, apresenta um Roberto visivelmente abatido, triste como nunca antes, com perceptíveis olheiras e nos dando a impressão que uma lágrima rolará a qualquer momento no seu rosto. Até seu colega Ronnie Von, com o qual a TV Record inflamou uma rivalidade nos 60's, resignado, exclamou "Roberto não merecia isso". No dia em que Maria Rita faleceu, o filho de Roberto Carlos, Dudu Braga, relatou que ao adentrar o quarto do hospital aonde sua madrasta já se encontrava sem vida, viu seu pai abraçado ao corpo da mulher, rezando e chorando muito. "A imagem de meu pai foi a coisa mais desoladora que vi na minha vida. Nessa hora, tive a dimensão real de sua dor. Até aquele momento, tinha sido uma coisa de luta, de vamos lá que tudo vai dar certo. Aí percebi que não seria do dia para a noite que ele iria superar aquilo", afirmou o já também saudoso produtor musical e baterista.
De fato, Roberto não superou em pouco tempo aquele terrível golpe e sua carreira ficou compremetida por isso. A partir da 1ª década dos anos 2000, o cantor esmaeceu produtivamente. Rigorosamente lançou apenas um CD de canções inéditas, o álbum "Pra Sempre", de 2003 (na verdade, o último álbum completo lançado em português até este ano que escrevo). O próprio "Amor Sem Limite" trouxe 3 canções lançadas em discos anteriores e o álbum cowntry, de 2005, tinha apenas a guarânia Arrasta Uma Cadeira, gravada com Chitãozinho e Xororó. Na 2ª década deste novo milênio, o artista decaiu produtivamente ainda mais, sobrevivendo parcamente de singles e de EP's de 4 faixas, como o "Esse Cara Sou Eu", o qual tinha apenas 2 canções inéditas. Não sabemos exatamente se Roberto perdeu o pique, a inspiração ou mesmo a motivação. Há quem diga, como o seu produtor Mauro Motta, que ele se desmotivou desde o álbum "Pra Sempre" por conta da pirataria.No pouco que produziu desde o álbum "Amor Sem Limite", ele decidiu não mais compor ou gravar canções cuja temática falasse de dor-de-cotovelo. Todas as sua canções a partir dali celebravam o amor bem-sucedido e perene. Na faixa Todo Mundo Me Pergunta, um folk lançado no CD "Pra Sempre", ele parece em certo trecho da letra estar vivendo uma distopia particular, uma fuga da realidade, pois se refere à amada como se ela ainda estivesse presente fisicamente. 
Capa do CD, lançado em 2000: melancolia como nunca antes

As perdas mais recentes
Como dissemos, as perdas posteriores à Maria Rita não foram tão dilacerantes por uma razão ou por outra. Em 2010, o cantor perdeu sua mãe Laura, aos 96 anos. Obviamente que esse fato não o deixou totalmente ileso, mas a 3 anos de se tornar centenária - completaria 97 em 17 de abril - a idade avançada apontava essa possibilidade. Naquele instante, Roberto ainda pôde contar com o afeto de todos os seus filhos, incluindo aí já Rafael Braga, fruto de um relacionamento com Maria Lucila Torres, uma fã mineira, reconhecido num teste de DNA em 1989. A canção composta com Erasmo para o álbum de 1978, Lady Laura, ficou eternizada na memória afetiva do público. Foi com sua mãe que Roberto pôde ter um contato mais próximo e com quem conversava por horas ao relatar suas angústias e dúvidas. Ela sempre dirigia ao filho uma palavra de conforto, um afago nos cabelos e dizendo-lhe "Amanhã de manhã você vai se sair muito bem"
Nada mais, nada menos que um ano depois, no dia 16 de abril de 2011, Roberto Carlos perdeu sua enteada Ana Paula (a quem considerava filha), vítima de um infarto, aos 45 anos. A vida não parava de lhe produzir surpresas desagradáveis e tristes. Foi inspirado no primeiro nome da enteada que Roberto (e Erasmo) compuseram o clássico soul, de 1970, Ana. As irônicas agruras do cantor que diz "Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi", prosseguiram em 11 de março de 2021 ao perder seu irmão mais velho, Lauro Braga, aos 89 anos, acometido por uma meningite e sofrer um AVC. Em 8 de setembro do mesmo ano, Roberto sofreu outro baque, quando perdeu seu filho, Dudu Braga, aos 52 anos, vítima de um câncer no peritônio contra o qual lutou 1 ano. E como se não bastassem as perdas familiares, no dia 22 de novembro de 2022, o rei da música brasileira perdeu o seu grande amigo e parceiro Erasmo Carlos para o qual compôs a canção Amigo, lançada no exitoso álbum de 1977.
Parece que mais do que qualquer outro fator, o que mais dá forças ao já octagenário artista é a obsessão pelo trabalho e o compromisso com seu público. Mesmo não lançando um álbum completo de inéditas em português há exatos 20 anos e sem qualquer lançamento coletivo - o último foi mais voltado para o mercado hispânico - há cinco, Roberto Carlos parece ter se calejado com tantos infaustos ao longo de sua vida. É até surpreendente a sua serenidade diante das últimas perdas. Parece que o cantor concluiu que já viveu tantos ciclos que as pessoas que têm ficado pelo caminho lhe dizem que no curso natural da vida, o show uma dia há de terminar. Só esperamos que esse último show esteja ainda bem longe de acontecer.
*Atualizado em 27/07/2023, às 10:45 horas   
     

Comentários

  1. Com todos os fatos vividos de intensa dor e sofrimento, ele carrega um coração ❤️ que é puro amor fazendo com que acreditemos que a fé faz parte da essência em que foi criado. Já o amava e o admirava. Amo muito mais de de ler esta matéria. Agradeço a Deus por ter escolhido para trazer aos nossos corações canções que falam de um amor maior. Obrigada . Deus abençoe sempre sua vida.

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    1. Muito obrigado por sua participação e comentário, Rosa. Realmente, Roberto é um ser iluminado.

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  2. Com tantas informações tenho certeza você leu "Roberto Carlos em Detalhes", parabéns, li o texto e vi que você é uma pessoa decente... nosso amado RC é Roberto Carlos cravou seu nome na história da música brasileira... muitos fazem chacota de sua perna, eu viro uma leoa... ninguém sabe o que esse homem passou pra chegar até aqui, Ele é o nosso maior orgulho, um patrimônio, sou, com muito orgulho remanescente de uma geração que está no seu fim.
    Posso constatar a falta de interação das pessoas com aquilo que, possui qualidade. Além do mais, música boa não tem data de validade... é Atemporal! Roberto Carlos é e sempre será o maior letrista desse país, mesmo que citem arremedos enojantes como Chico Buarque. É incrível como todas as músicas do Roberto Carlos nos leva a uma lembrança... Não sei como, não me perguntem... Mas tenho certeza que o Roberto conhece cada um de nós.
    Ele é Maravilhoso! Seu único defeito é ser escravo (porque quer) da globo esgoto... o câncer do Brasil! Abraço, você foi incrível.

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    1. São muitas fontes. Mas a principal, sem dúvida, é "Roberto Carlos em Detalhes" - que até cito textualmente no artigo. Quanto às chacotas,vêm em geral de pessoas frustradas. Quanto à falta de critério para se ouvir música hoje em dia, penso que é o efeito manada o qual imbeciliza muita gente e quanto à Rede (Esgoto) Globo, concordo em gênero, número e grau.

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