Com seus 3:07 de duração e arranjo de Charlie Calello, a faixa foi escolhida a dedo para encabeçar uma certa tentativa de RC em permanecer no gosto do público geral, já que àquela altura, o mercado começava a dar maior atenção para os jovens artistas do pop-rock nacional. Apesar disso, O Côncavo e o Convexo não foi uma das mais executadas no rádio naquele ano, ocupando um modesto 38º lugar, apesar do disco ter vendido 2 milhões de cópias. A outra da mesma timbragem sexual, No Mesmo Verão, era incrementada por um arranjo de sonoridade caribenha, também de Charlie Calello (Base e Cordas) e Torrie Zito (Metais), com direito à percussão a fim de dar-lhe uma sensualidade latino-americana.
Um ano depois, o disco seguinte não trouxe qualquer referência direta ao romance com Myrian, apesar de faixas não autorais sugerirem isso, como
Eu e Ela,
Sabores e no clipe de
Caminhoneiro, o cantor ter colocado uma foto da companheira no painel do caminhão cenográfico. A inspiração explícita voltaria no álbum de 1985, talvez o ano que representou o auge do relacionamento dos famosos. E tudo parecia começar da romântica
De Coração Pra Coração, cuja autoria a oito mãos (Mauro Motta-Robson Jorge-Lincoln Olivetti e Isolda), soava encomendada para a demanda sentimental do rei. Era, no entanto, o antigo Lado B que reservava as faixas autorais realmente inspiradas no romance Roberto/Myrian.
Pelas Esquinas da Nossa Casa era uma balada sexual com levada de samba dentro daquela conhecida característica robertocarliana de não se jogar pra valer em gêneros fora do seu universo baladista. A letra evoca os encontros sexuais de vossa majestade com sua rainha diante da vida agitada do casal - ela em rotina de gravações de novela e ele em shows aqui e lá fora, além de gravações em estúdio. O rock-balada
Símbolo Sexual exaltava as virtudes sexuais da musa do cantor num tom de descontração que procurou-se retratar no clipe apresentado no especial daquele ano. Mas foi realmente na balada jazzística,
A Atriz, em que Roberto tornou mais explícito possível a musa que então lhe inspirava na maioria de suas composições do período. Se o ouvinte mais crítico, contudo, analisar, vai constatar que não se trata exatamente de uma homenagem ou dedicação musical à Myrian Rios. Roberto - e Erasmo - falam ali basicamente do ciúme e da insegurança do eu lírico ao ver a sua amada atuar em cenas românticas na TV. É claro que há a tal da liberdade poética a dar matizes mais quentes à questão autobiográfica, mas os especuladores e fofoqueiros de plantão, logo interpretaram que o cantor sentia ciúmes da profissão da mulher, o que Myrian procurou rebater que o ciúme era dela - ou no mínimo, recíproco pela fato de Roberto ser muito assediado pelo público feminino. Bom, mas fato é que a canção teve um clipe que representava um Roberto impulsivo e explosivo em seu ciúme.
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Roberto e Myrian em 1985: no auge do romance |
O álbum de 1986 - o começo do fim?
Do Fundo do Meu Coração, é em minha opinião, uma das quatro grandes canções do 28º álbum de RC, lançado em 1986. Mais do que isso, é uma das grandes canções de todo o repertório do cantor em qualquer época. É uma síntese perfeita entre a letra sentimental e um arranjo pop de nível internacional. Mais do que uma queixa amorosa, é um desabafo, um grito de liberdade do eu poético o qual sofre com a incostância de sua amada. A linha de baixo com o auxílio da bateria, o toque discreto da guitarra até a também discreta intervenção do teclado vai evoluindo até o ápice, o refrão pop/rock em que Roberto solta mesmo a voz, acompanhado luxuosamente por uma terça de voz de Fernando Adour. No desfecho da canção, a modulação para cima acrescendo-a um tom, deixa-a mais envolvente ainda num desfecho perfeito - e dizem alguns que RC não fez nada de relevante na década de 1980, principalmente depois de 1982. Preconceito puro ou excesso de cera auricular.
Não podemos afirmar com certeza, mas seria a letra uma evidência de pelo menos o início da crise que levou ao fim de seu relacionamento com Myrian Rios? Certeza é que aquele álbum veio bem diferente do clima do álbum anterior. Não há nenhuma canção romântica composta pelo próprio Roberto Carlos que não seja de desamor. Seria apenas uma tentativa de fazer um disco diferente do seu antecessor? A lamuriosa
O Nosso Amor (outra das quatro Top desse disco) reforça nossa desconfiança que o romance real desandara. Mesmo os outros compositores parecem ter feito músicas sob encomenda do que Roberto queria expor de sua vida pessoal. Foi o caso, por exemplo, de Michael Sullivan e Paulo Massadas, os quais contando com um toque aqui, uma sugestão ali de Robson Jorge e Lincoln Olivetti, compuseram
Amor Perfeito - outra das Top Four. Transformada em clássico do axé music neste século XXI, sua letra enfatiza o desejo de reaproximação do eu lírico com sua amada.
Todavia, se o álbum de 1986 representa mesmo alguma crise no
affair de RC com Myrian Rios, o disco seguinte, o de 1987 parece dizer que neste ano a crise foi momentaneamente superada. O cantor volta alegre e novamente descontraído em seu 29º bolachão. A começar do funk/melody
Tô Chutando lata, passando pela ode romântica
Menina - cuja letra aborda o amor de um homem mais velho por uma mulher mais nova - até
Coisas do Coração, a mais executada do disco nas rádios, que embora fosse de Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle, abordava uma temática de sucesso amoroso. A única faixa que destoava tematicamente das românticas do álbum era
Antigamente Era Assim, que com sua levada de quase samba, falava de um romance que se desgastou com o tempo (teria escapado de ser incluída no disco de 86 por causa de espaço?).
Myrian Rios apareceu pela última vez na plateia vip de um especial de RC como sua companheira, em 1987. Isso porque quando o álbum de 88 - o de estúdio - foi lançado, eles já viviam uma crise aguda e, provavelmente, vivendo juntos apenas de aparência. A canção mais sintomática desse LP é o carro-chefe
Se Diverte e Já Não Pensa em Mim. É praticamente uma crônica sentimental do momento que Roberto e Myrian viviam. O eu lírico fala de esquecimento, pisoteamento sentimental, mudança repentina e indiferença de sua amada compreendendo que isso representa o fim. Em termos autorais, Roberto reitera essas primeiras dores no bolero
Se Você Disser Que Não Me Ama e no samba-canção
O Que é Que Eu Faço - este muito bom, por sinal. A exitosa década de 80 encerraria-se para o cantor mais popular do país de maneira não muito gloriosa: o disco de 1989 foi tão eivado de suas dores pessoais que, a não ser os seus mais ardorosos fãs, identificaram-se com as suas oito faixas dor-de-cotovelo de um total de nove incluídas. O bolachão preto foi o seu álbum que menos vendeu naquela década, foi lançado com atraso e nenhuma faixa dele ficou para os anais do rico repertório do artista. Quando lançado, Roberto e Myrian já tinham tido a conversa que pusera fim ao seu relacionamento de 10 anos.
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Revista Manchete de 26/01/1989 abordando o fim |
Mas a não identificação, principalmente do grande público, com suas canções não significou inexistir qualquer canção digna de nota. Para este autor, havia pelo menos uma grande canção e bastaria só ela pra traduzir musicalmente a fossa que o rei se encontrava,
O Tolo. Esta, infelizmente, naufragou junto com todo o disco no qual Roberto se repetiu à exaustão e esse foi o grande problema de seu 32º álbum. É como se um grande jogador sucumbisse junto com um time ruim, cujos companheiros fossem muito abaixo do seu nível. Contudo,
O Tolo fazendo o uso de metáforas de alguém que se embriagou e em sua embriaguez, se tornou insensato, é uma das letras mais precisas de RC desde
Detalhes. É uma canção de ressentimento amoroso, mas que com muita felicidade expressa com propriedade o que se sente quando abandonado por alguém que se ama.
"O disco da pena" - por Roberto nele posar com uma pena de águia real entre os cabelos, presente de um líder indígena - passou e veio o de 1990 - ainda com a pena - mas, menos melancólico.
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O disco de 1989: dor-de-cotovelo e fossa |
Rescaldado pelo fracasso do ano anterior, RC resolveu dar uma variada discreta em seu primeiro álbum da década de 1990. Gravou a flaminca
Por Ela, versão de Biafra e Aloysio Reis para a música do espanhol José Manuel Soto, o fox
Cenário, de Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle, o qual emulava uma espécie de
Emoções parte II, o rock pacifista
Quero Paz e a volta das baladas sexuais com
Porque a Gente Se Ama - esta bem ruinzinha em comparação às melhores que compôs. E, talvez, precisando de uma catapulta para recuperar-se mercadologicamente, resolveu liberar pela primeira vez músicas de seu disco para novelas da TV Globo; e logo duas:
Super Herói para "O Dono do Mundo", novela das então 8 horas e
Mujer para "Lua Cheia de Amor", das 7. A primeira fez o cantor reaparecer no Top 100 das músicas mais executadas em 1991, depois de 4 anos, mas num modestíssimo 64º lugar. A temática ainda retroage à dor da separação, mas daquela vez o eu poético sofre de forma abnegada, já aceita a realidade do fim e até oferece ajuda, se a ex-companheira precisar. Em
Pobre de Quem Me Tiver Depois de Você, ele até já especula quem será a próxima a tolerar seus ciúmes e suas manias (condicionadas pelo TOC, Transtorno Obsessivo Compulsivo), mas volta à amargura de um ano antes em
Como as Ondas Voltam Para o Mar, que bem poderia estar no lacrimejante álbum de 1989. Mas no de 1990, o 33º de sua carreira, o cantor tanto se despede da fórmula romântica mais sofisticada quanto encerra o assunto Myrian Rios de vez. No disco de 1991 ele embarcaria no popularesco/brega que assumou com as duplas sertanejas e o mercado voltado mais para o sensual do que para o romantismo clássico e encontraria em Maria Rita Simões uma nova musa inspiradora.
Mas o que levou afinal, Roberto e Myrian a dar um ponto final em seu relacionamento? Bom, parece que a diferença de 19 anos entre os dois foi pesando desfavoravelmente para RC. Ele se tornou cada vez mais católico, carola, recluso e com uma vida social restrita a poucos amigos - o contrário do que a jovem Myrian Rios e ainda não extremamente religiosa desejava. As pessoas do entorno de Myrian lhe inculcavam na mente que o casal precisava sair, se divertir, curtir a vida que a condição financeira do artista lhes permitia. No entanto, a gota d'água da decisão da então atriz em pedir a separação foi descobrir que Roberto era vasectomizado desde o fim dos anos 1970. Roberto que tomara a decisão de sair de casa e por fim ao casamento com Nice Rossi, agora era o abandonado. Sofreu, mas reencontraria uma outra mulher que conheceu menina, quase ao mesmo tempo que conhecera Myrian e com ela viveria, segundo ele, o maior amor de sua vida. Mas essa é história para a última parte deste artigo.
Fontes pesquisadas:
- Livro "Roberto Carlos em Detalhes", Paulo Cesar de Araújo, Editora Planeta, 2006.
- Livro "Eu, Myrian Rios", Myrian Rios, Editora Canção Nova, 2003.
- Livro "Roberto Carlos - Por Isso Essa Voz Tamanha", Jotabê Medeiros, Editora Todavia, 2021.
- Livro "O Réu e o Rei"- Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes", Paulo Cesar de Araújo, Editora Comapnhia das Letras, 2014
- Site "Planeta Rei"- As 100 Mais em 100 Anos, Beto Brito
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