O QUANTO AS CANÇÕES DE RC REVELAM COMO ELE E SUAS MULHERES ERAM NOS SEUS 3 'CASAMENTOS'? (II PARTE- MYRIAN RIOS)


Prosseguindo nossa abordagem sobre a ligação das canções de RC com seus 3 relacionamentos públicos, chegamos ao período entre 1979 a 1989, quando o cantor conviveu com a atriz global Myrian Rios. Das 3 companheiras de sua vida, Myrian foi a única mulher com a qual Roberto não casou. Também foi a única que, ao término da relação, o artista mais expôs publicamente a sua dor - tanto que o sintomático álbum de 1988 e o lamurioso álbum de 1989, são verdadeiros editoriais sonoros de sua fossa. 
A história com "Mirinha" (como ele a chamava) se deu em 3 etapas principais: 
  1. O encanto original quando ele a viu na TV, aos 16 anos;
  2. Os encontros casuais por motivos profissionais;
  3. E o início do namoro - primeiramente, às escondidas da imprensa e depois, público.
Na 1ª parte deste artigo, vimos que nos 12 anos de relacionamento com sua primeira mulher, Nice, o fato mais midiaticamente exposto foi o casamento dos dois na Bolívia. De resto, Roberto e a mãe de seus filhos Dudu e Luciana, levaram uma vida pessoal mais discreta e longe dos holofotes - apesar de Nice aqui e acolá aparecer com Roberto em reportagens, capas de revista e no 1º especial de TV do marido, em 1974.
Pois bem, com Myrian Rios - aspirante ao estrelato quando se conheceram - e 19 anos mais nova, Roberto viveu a sua relação mais exposta e sua fase mais festeira. Ela ainda era uma católica apenas nominal e ele ainda não tinha dogmatizado sua militância religiosa - apesar de disco sim, disco não, lançar uma canção gospel. Se ela viveu a transição de menina para mulher em seus braços, ele viveu a sua de festeiro para recluso nos dela. Ele a apresentou ao seu requintado universo social fruto de suas relações profissionais que ela não conhecia; ela o retirou da quase clausura do apartamento na Urca, Rio, aonde ele foi morar em 1980, e o reintroduziu à vida noturna.
Roberto, fã confesso de novelas e de televisão, estava em casa num domingo qualquer de agosto de 1976, quando viu na telinha uma menina de belo rosto e lábios carnudos aparecer no Moacyr TV, programa ancestral do Domingão do Faustão e do Domingão com Huck, na TV Globo. Ela foi a vencedora de um concurso nacional de caça-talentos que a premiou com uma TV colorida - sonho de consumo na época, semelhante a ter hoje um smartphone última geração - e a chance de participar de novelas no canal dos Marinho. Roberto, embora ainda casado com Nice, mas vivendo por um triz do fim, se encantou com a adoscelente mineira. Mal ele sabia que ela era sua fã e que iria encontrá-la oito meses depois numa ponte aérea Rio-São Paulo. Mais coincidência ainda descobriria quando a jovem pela qual se encantara  ocupava a poltrona ao lado da sua no avião. Myrian já estava sentada e, lendo a primeira matéria que saiu sobre ela na Revista Amiga, não percebeu a chegada de Roberto. Entretanto, ao Roberto por o antebraço esquerdo sobre o braço da poltrona, Myriam percebeu pelo canto dos olhos a famosa pulseira de prata escrita "Roberto Carlos", presente de seu produtor, Evandro Ribeiro, dado a ele em 1963. A garota ficou atônita e nervosa, mas Roberto procurou quebrar o gelo ao lançar um "oi, tudo bem?" indagando se ela não era a menina que havia ganhado o concurso do Moacyr TV. Mais surpresa e atônita Myrian ficou ao ser reconhecida por ninguém menos que o cantor mais popular e famoso do Brasil. Depois, já agora empolgada com a situação, Myriam até mostrou a Roberto as fotos e a matéria publicada a respeito dela. Daí o papo fluiu mais naturalmente entre os dois. 
Entretanto, o Electra que fazia a ponte aérea, devido ao mau tempo, não pôde pousar no aeroporto de Guarulhos,tendo que fazê-lo no aeroporto de Viracopos, em Campinas. Em seu primeiro voo, inexperiente, Myrian Rios preocupou-se como chegaria em casa sendo tranquilizada por Roberto que a empresa disponibilizaria um ônibus para completar a viagem. Roberto, todavia, ofereceu carona à jovem dizendo que um Landau preto já o aguardava para levá-lo até sua casa. Entre o "não"de sem jeito e o sim de satisfeita, Myrian aceitou e depois do cantor desembarcar na sua casa no Morumbi, seu motorista foi levá-la até a casa de seus pais, no bairro do Jardim, zona norte de São Paulo.
Como eram contratados da mesma emissora, depois dessa viagem, Roberto e Myrian passaram a se encontrar esporadicamente mais umas 3 vezes num período de quase 2 anos pelos corredores da Globo. Ele, evidentemente, já estava interessado nela, mas seus vários compromissos impediram uma aproximação imediata. Ela também já sonhava seu sonho de Cinderela pedindo, inclusive ao produtor dos shows de Roberto, Ronaldo Bôscoli (em parceria com Miele) que a levasse até seu camarim quando ele então gravaria seu Especial de 1978. Contudo, somente em abril de 1979 - quando ela já tinha 20 anos - é que Roberto ligou para ela a fim de se encontrarem numa suíte do Copacabana Palace, onde o cantor morou temporariamente ao voltar para o Rio - no caso, ela morava num pequeno conjugado em Copacabana. Daí, a história de Roberto e Myrian começou de fato.
Bom, como nosso mote é traçar a ponte entre os relacionamentos de RC e suas canções, revelando como ele é na sua vida amorosa, o primeiro disco a trazer alguma canção tendo Myrian como inspiração será o de 1979 - para este autor, excelente, por sinal. É uma canção que somente depois da revelação pública do namoro, em fins de 1980, ficou mais evidente que foi inspirada no sentimento do cantor pela jovem atriz. Antes disso, não deu pra sacar, pois sua letra ainda é latente, sem direcionamentos claros a uma especificidade da sua musa inspiradora. Era Na Paz do Seu Sorriso, na qual o verso que mais evidencia esse novo amor do cantor se faz presente em:
"E a beleza é nada se for comparada/com tudo que eu vejo você, meu bem/o amor é perfeito/me amarro no jeito que você me dá, me dá..."

Com um arranjo pop meio jazzístico de Jack Cortner, a canção de sucesso amoroso, na qual o eu lírico desfruta da correspondência da sua amada, foi potencializada. O clima positivo é ratificado com o uso de uma linha de baixo que não somente inicia, mas dita todo o percurso musical, acompanhado por dois violões de batida percussiva que incrementam a percussão propriamente dita a qual dá um toque caribenho à música. Infelizmente, por determinação do produtor e gerente geral da CBS brasileira, Evandro Ribeiro, as informações técnicas dos discos de RC são bem parcas e genéricas, não identificando os músicos executantes de cada instrumento. Mas a parte instrumental de Na Paz do Seu Sorriso traz ainda o acompanhamento de um discreto piano tocado em sustenido, uma também discreta bateria, a inserção incidental de flautas e violinos e o solo de sax alto que dá o clima jazz que mencionamos anteriormente. No vocal, Roberto faz uma terça de voz na frase "Tudo isso que você meu bem me dá... meu bem me dá, meu bem me dá"  e na 3ª e última parte do estribilho "Na paz do seu sorriso/meus sonhos realizo/e te beijo feliz", o que dá uma leve feição black à música. Enfim, a canção é pra cima porque celebra uma paixão bem-sucedida, ainda nova, que traduz o encantamento e a felicidade de RC em estar se relacionando com a jovem Myrian Rios.

RC e Myrian Rios em 1980: Revista Manchete
A outra faixa do disco de 1979 que parece fazer alguma referência ao novo namoro do cantor é Me Conte a Sua História, mas esta, música de Maurício Duboc e letra de Carlos Colla. A letra parte da tentativa do eu lírico de conquistar uma mulher que vem de experiências mal sucedidas e, portanto, é uma temática que aborda o galanteio à desejada musa do personagem da canção. Entretanto, é no LP lançado no final de 1980 - portanto pouco depois da revelação à imprensa de sua nova namorada - que as canções do novo disco irão começar a ficar mais explícitas e inspiradas nesse novo amor do cantor. A mais escancarada e derramada é, sem dúvida, a balada jazzistica Não Se Afaste de Mim. Composição da dupla Roberto e Erasmo, com arranjo de Torrie Zito, a faixa foi apresentada ao público no dia 03/03/1981 no Clipe do Fantástico pelo ator Edson Celulari, como "um jeito ingênuo, meio fora de moda de declarar o amor de hoje" e "lembrando muito as primeiras composições de Roberto e Erasmo". De fato, apesar do gabaritado arranjo de um dos maestros de ninguém menos do que Frank Sinatra, com um sax tomando toda a rédea da linha melódica e acompanhado posteriormente por um violão com timbragem meio samba-canção e flautas fazendo os contrapontos e os violinos, a letra é das mais diretas e sem rebuscamentos poéticos daquele seu 21º álbum. 
"Eu pensei que com tanta experiência/eu soubesse tudo/mas você me ensinou que no amor/não importa quem sabe mais/e o que tempo entre nós não existe/por tudo que esse amor nos traz/não se afaste de mim/oh, oh, oh, não... esse jeito de quem não sabe nada/sabe me fazer feliz... não pensei que esse jeito inocente/me mostrasse a vida..."

Outra canção do mesmo álbum inspirada no romance com Myrian Rios era a balada sexual O Gosto de Tudo. Apresentada no especial daquele fim de ano, a faixa daquele novo LP, cujo arranjo ficou a cargo do maestro americano All Capps, compunha-se de uma letra que evocava metáforas para falar do ato sexual.

"Eu bebo em sua boca o gosto de tudo/eu mato em seu corpo a sede que eu tenho/nesse beijo eu tomo de todos os vinhos/mistura perfeita dos nossos carinhos/o ar que eu respiro no céu se mistura/da boca ofegante que a minha procura/e eu bebo nas fontes de tantas delícias/me perco em seus montes, jardins e carícias/quando eu provo do seu beijo/eu me perco no sabor/da pureza dessas fontes/da beleza desse amor/nesse campo farto é fértil/eu desfruto do melhor/tudo é puro na beleza desse amor..."

Em 1981, Roberto atingia os 40 anos de idade e, para alguns, viveu nessa época o seu último suspiro de criatividade. No álbum em português, lançado para o mercado nativo, ele gravou o disco em que mais cantou e decantou seu amor por Myrian Rios. É o único álbum do período anterior aos dedicados à Maria Rita em que não há uma só canção falando de desamor ou fracasso amoroso. Todas as 7 faixas românticas - excluindo-se uma gospel, um libelo ecológico e um fox que permeia a sua relação com o palco e o público - celebram o sucesso amoroso ou sexual. Mesmo as faixas não compostas pela dupla Roberto/Erasmo, como Simples Mágica, de Regininha, Doce Loucura, de Maurício Duboc/Carlos Colla, Quando o Sol Nascer, de Mauro Motta/Eduardo Ribeiro e Olhando Estrelas, de Eduardo Lages/Paulo Sérgio Valle foram encomendadas na medida do desejo do rei em retratar esse bom momento, sem dar qualquer espaço para a fossa sentimental e a melancolia de um romance mal sucedido.

Capa interna do álbum de 1981: zero fossa
As mais explícitas, claro, são da safra dos dois amigos de fé e irmãos camaradas. A primeira, por ordem de execução no vinil é a balada sexual Tudo Para. Segundo Paulo Cesar de Araújo, a inspiração para falar de sexo dessa forma veio das greves dos metalúrgicos do ABC paulista, em fins da década anterior e início da de 80. A letra evoca uma série de hipérboles nas quais supostamente cada vez que um casal vai para cama, o ato é tão intenso que do quarto o clima transborda para a rua, contagia as pessoas, passarinhos fazem festa, alcança os ares, incendeia a cidade, buga o semáforo, o carteiro esquece da carta, os carros param, os motoristas esquecem o motivo da pressa, o mar se acalma e até para o bairro, a cidade e o país... Enfim, tudo para quando os personagens da canção adentram em seu leito conjugal. Até então, Tudo Para fora a balada sexual mais ousada lançada por Roberto Carlos.
Contudo, no mesmo disco havia outra que se aproximava. Era Doce Loucura, mas como visto, não era composição autoral. De Roberto e Erasmo mesmo era Cama e Mesa. Com uma discreta levada de samba-canção assinada por All Capps, a letra dessa vez faz uso (e abuso) das metáforas na intenção do eu lírico de expressar tudo o que gostaria de ser para estar o mais próximo possível de sua amada:
"Eu quero ser sua canção/eu quero ser seu tom/me esfregar na sua boca/ser o seu batom/o sabonete que te alisa embaixo do chuveiro/a toalha que desliza no seu corpo inteiro/eu quero ser seu travesseiro e ter a noite inteira/pra te beijar durante o tempo que você dormir..."
Essa canção é uma das mais populares de Roberto Carlos e em plataformas digitais como a do Spotify dificilmente deixa de ocupar o topo, neste momento com 150.005.385 audições.
Depois do álbum de 1982 não trazer qualquer canção inspirada explicitamente no relacionamento com Myrian Rios - pelo menos autoral -, o cantor voltaria a decantar seu sentimento pela namorada no disco seguinte e em duas novas baladas sexuais: O Côncavo e o Convexo e No Mesmo Verão. A 1ª foi carro-chefe daquele seu 25ª álbum e canção feita sob medida para tocar no rádio. O cantor e seu parceiro foram buscar inspiração na geometria para falar da união sexual perfeita.
"Nossas curvas se acham/nossas formas se encaixam/na medida perfeita... cada parte de nós/tem a forma ideal/quando juntas estão/coincidência total do côncavo e o convexo/assim é nosso amor no sexo"
Com seus 3:07 de duração e arranjo de Charlie Calello, a faixa foi escolhida a dedo para encabeçar uma certa tentativa de RC em permanecer no gosto do público geral, já que àquela altura, o mercado começava a dar maior atenção para os jovens artistas do pop-rock nacional. Apesar disso, O Côncavo e o Convexo não foi uma das mais executadas no rádio naquele ano, ocupando um modesto 38º lugar, apesar do disco ter vendido 2 milhões de cópias. A outra da mesma timbragem sexual, No Mesmo Verão, era incrementada por um arranjo de sonoridade caribenha, também de Charlie Calello (Base e Cordas) e Torrie Zito (Metais), com direito à percussão a fim de dar-lhe uma sensualidade latino-americana.
Um ano depois, o disco seguinte não trouxe qualquer referência direta ao romance com Myrian, apesar de faixas não autorais sugerirem isso, como Eu e ElaSabores e no clipe de Caminhoneiro, o cantor ter colocado uma foto da companheira no painel do caminhão cenográfico. A inspiração explícita voltaria no álbum de 1985, talvez o ano que representou o auge do relacionamento dos famosos. E tudo parecia começar da romântica De Coração Pra Coração, cuja autoria a oito mãos (Mauro Motta-Robson Jorge-Lincoln Olivetti e Isolda), soava encomendada para a demanda sentimental do rei. Era, no entanto, o antigo Lado B que reservava as faixas autorais realmente inspiradas no romance Roberto/Myrian. Pelas Esquinas da Nossa Casa era uma balada sexual com levada de samba dentro daquela conhecida característica robertocarliana de não se jogar pra valer em gêneros fora do seu universo baladista. A letra evoca os encontros sexuais de vossa majestade com sua rainha diante da vida agitada do casal - ela em rotina de gravações de novela e ele em shows aqui e lá fora, além de gravações em estúdio. O rock-balada Símbolo Sexual exaltava as virtudes sexuais da musa do cantor num tom de descontração que procurou-se retratar no clipe apresentado no especial daquele ano. Mas foi realmente na balada jazzística, A Atriz, em que Roberto tornou mais explícito possível a musa que então lhe inspirava na maioria de suas composições do período. Se o ouvinte mais crítico, contudo, analisar, vai constatar que não se trata exatamente de uma homenagem ou dedicação musical à Myrian Rios. Roberto - e Erasmo - falam ali basicamente do ciúme e da insegurança do eu lírico ao ver a sua amada atuar em cenas românticas na TV. É claro que há a tal da liberdade poética a dar matizes mais quentes à questão autobiográfica, mas os especuladores e fofoqueiros de plantão, logo interpretaram que o cantor sentia ciúmes da profissão da mulher, o que Myrian procurou rebater que o ciúme era dela - ou no mínimo, recíproco pela fato de Roberto ser muito assediado pelo público feminino. Bom, mas fato é que a canção teve um clipe que representava um Roberto impulsivo e explosivo em seu ciúme.
Roberto e Myrian em 1985: no auge do romance

O álbum de 1986 - o começo do fim?
Do Fundo do Meu Coração, é em minha opinião, uma das quatro grandes canções do 28º álbum de RC, lançado em 1986. Mais do que isso, é uma das grandes canções de todo o repertório do cantor em qualquer época. É uma síntese perfeita entre a letra sentimental e um arranjo pop de nível internacional. Mais do que uma queixa amorosa, é um desabafo, um grito de liberdade do eu poético o qual sofre com a incostância de sua amada. A linha de baixo com o auxílio da bateria, o toque discreto da guitarra até a também discreta intervenção do teclado vai evoluindo até o ápice, o refrão pop/rock em que Roberto solta mesmo a voz, acompanhado luxuosamente por uma terça de voz de Fernando Adour. No desfecho da canção, a modulação para cima acrescendo-a um tom, deixa-a mais envolvente ainda num desfecho perfeito - e dizem alguns que RC não fez nada de relevante na década de 1980, principalmente depois de 1982. Preconceito puro ou excesso de cera auricular.
Não podemos afirmar com certeza, mas seria a letra uma evidência de pelo menos o início da crise que levou ao fim de seu relacionamento com Myrian Rios? Certeza é que aquele álbum veio bem diferente do clima do álbum anterior. Não há nenhuma canção romântica composta pelo próprio Roberto Carlos que não seja de desamor. Seria apenas uma tentativa de fazer um disco diferente do seu antecessor? A lamuriosa O Nosso Amor (outra das quatro Top desse disco) reforça nossa desconfiança que o romance real desandara. Mesmo os outros compositores parecem ter feito músicas sob encomenda do que Roberto queria expor de sua vida pessoal. Foi o caso, por exemplo, de Michael Sullivan e Paulo Massadas, os quais contando com um toque aqui, uma sugestão ali de Robson Jorge e Lincoln Olivetti, compuseram Amor Perfeito - outra das Top Four. Transformada em clássico do axé music neste século XXI, sua letra enfatiza o desejo de reaproximação do eu lírico com sua amada.
Todavia, se o álbum de 1986 representa mesmo alguma crise no affair de RC com Myrian Rios, o disco seguinte, o de 1987 parece dizer que neste ano a crise foi momentaneamente superada. O cantor volta alegre e novamente descontraído em seu 29º bolachão. A começar do funk/melody Tô Chutando lata, passando pela ode romântica Menina - cuja letra aborda o amor de um homem mais velho por uma mulher mais nova - até Coisas do Coração, a mais executada do disco nas rádios, que embora fosse de Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle, abordava uma temática de sucesso amoroso. A única faixa que destoava tematicamente das românticas do álbum era Antigamente Era Assim, que com sua levada de quase samba, falava de um romance que se desgastou com o tempo (teria escapado de ser incluída no disco de 86 por causa de espaço?).
Myrian Rios apareceu pela última vez na plateia vip de um especial de RC como sua companheira, em 1987. Isso porque quando o álbum de 88 - o de estúdio - foi lançado, eles já viviam uma crise aguda e, provavelmente, vivendo juntos apenas de aparência. A canção mais sintomática desse LP é o carro-chefe Se Diverte e Já Não Pensa em Mim. É praticamente uma crônica sentimental do momento que Roberto e Myrian viviam. O eu lírico fala de esquecimento, pisoteamento sentimental, mudança repentina e indiferença de sua amada compreendendo que isso representa o fim. Em termos autorais, Roberto reitera essas primeiras dores no bolero Se Você Disser Que Não Me Ama e no samba-canção O Que é Que Eu Faço - este muito bom, por sinal. A exitosa década de 80 encerraria-se para o cantor mais popular do país de maneira não muito gloriosa: o disco de 1989 foi tão eivado de suas dores pessoais que, a não ser os seus mais ardorosos fãs, identificaram-se com as suas oito faixas dor-de-cotovelo de um total de nove incluídas. O bolachão preto foi o seu álbum que menos vendeu naquela década, foi lançado com atraso e nenhuma faixa dele ficou para os anais do rico repertório do artista. Quando lançado, Roberto e Myrian já tinham tido a conversa que pusera fim ao seu relacionamento de 10 anos.
Revista Manchete de 26/01/1989 abordando o fim
Mas a não identificação, principalmente do grande público, com suas canções não significou inexistir qualquer canção digna de nota. Para este autor, havia pelo menos uma grande canção e bastaria só ela pra traduzir musicalmente a fossa que o rei se encontrava, O Tolo. Esta, infelizmente, naufragou junto com todo o disco no qual Roberto se repetiu à exaustão e esse foi o grande problema de seu 32º álbum. É como se um grande jogador sucumbisse junto com um time ruim, cujos companheiros fossem muito abaixo do seu nível. Contudo, O Tolo fazendo o uso de metáforas de alguém que se embriagou e em sua embriaguez, se tornou insensato, é uma das letras mais precisas de RC desde Detalhes. É uma canção de ressentimento amoroso, mas que com muita felicidade expressa com propriedade o que se sente quando abandonado por alguém que se ama.
"O disco da pena" - por Roberto nele posar com uma pena de águia real entre os cabelos, presente de um líder indígena - passou e veio o de 1990 - ainda com a pena - mas, menos melancólico.
O disco de 1989: dor-de-cotovelo e fossa
Rescaldado pelo fracasso do ano anterior, RC resolveu dar uma variada discreta em seu primeiro álbum da década de 1990. Gravou a flaminca Por Ela, versão de Biafra e Aloysio Reis para a música do espanhol José Manuel Soto, o fox Cenário, de Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle, o qual emulava uma espécie de Emoções parte II, o rock pacifista Quero Paz e a volta das baladas sexuais com Porque a Gente Se Ama - esta bem ruinzinha em comparação às melhores que compôs. E, talvez, precisando de uma catapulta para recuperar-se mercadologicamente, resolveu liberar pela primeira vez músicas de seu disco para novelas da TV Globo; e logo duas: Super Herói para "O Dono do Mundo", novela das então 8 horas e Mujer para "Lua Cheia de Amor", das 7. A primeira fez o cantor reaparecer no Top 100 das músicas mais executadas em 1991, depois de 4 anos, mas num modestíssimo 64º lugar. A temática ainda retroage à dor da separação, mas daquela vez o eu poético sofre de forma abnegada, já aceita a realidade do fim e até oferece ajuda, se a ex-companheira precisar. Em Pobre de Quem Me Tiver Depois de Você, ele até já especula quem será a próxima a tolerar seus ciúmes e suas manias (condicionadas pelo TOC, Transtorno Obsessivo Compulsivo), mas volta à amargura de um ano antes em Como as Ondas Voltam Para o Mar, que bem poderia estar no lacrimejante álbum de 1989. Mas no de 1990, o 33º de sua carreira, o cantor tanto se despede da fórmula romântica mais sofisticada quanto encerra o assunto Myrian Rios de vez. No disco de 1991 ele embarcaria no popularesco/brega que assumou com as duplas sertanejas e o mercado voltado mais para o sensual do que para o romantismo clássico e encontraria em Maria Rita Simões uma nova musa inspiradora.
Mas o que levou afinal, Roberto e Myrian a dar um ponto final em seu relacionamento? Bom, parece que a diferença de 19 anos entre os dois foi pesando desfavoravelmente para RC. Ele se tornou cada vez mais católico, carola, recluso e com uma vida social restrita a poucos amigos - o contrário do que a jovem Myrian Rios e ainda não extremamente religiosa desejava. As pessoas do entorno de Myrian lhe inculcavam na mente que o casal precisava sair, se divertir, curtir a vida que a condição financeira do artista lhes permitia. No entanto, a gota d'água da decisão da então atriz em pedir a separação foi descobrir que Roberto era vasectomizado desde o fim dos anos 1970. Roberto que tomara a decisão de sair de casa e por fim ao casamento com Nice Rossi, agora era o abandonado. Sofreu, mas reencontraria uma outra mulher que conheceu menina, quase ao mesmo tempo que conhecera Myrian e com ela viveria, segundo ele, o maior amor de sua vida. Mas essa é história para a última parte deste artigo.
Fontes pesquisadas:
- Livro "Roberto Carlos em Detalhes", Paulo Cesar de Araújo, Editora Planeta, 2006.
- Livro "Eu, Myrian Rios", Myrian Rios, Editora Canção Nova, 2003.
- Livro "Roberto Carlos - Por Isso Essa Voz Tamanha", Jotabê Medeiros, Editora Todavia, 2021.
- Livro "O Réu e o Rei"- Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes", Paulo Cesar de Araújo, Editora Comapnhia das Letras, 2014
- Site "Planeta Rei"- As 100 Mais em 100 Anos, Beto Brito   
  
          

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