POR QUE ROBERTO CARLOS DEIXOU DE LANÇAR ÁLBUNS DE INÉDITAS?

 

Algumas capas do acervo real

Houve um período de exatos 30 anos no Brasil que as compras de Natal, o peru da ceia e a montagem da árvore e do presépio se confundiam com a chegada às lojas do 'novo elepê do Roberto Carlos'. Para quem viveu esse período - ou boa parte dele como eu - não tem como não suspirar nostalgia. Foram três décadas em que o cantor mais popular do país presenteava os nossos aurículos com seus novos sucessos e de um milhão a quase três milhões de brasileiros acorriam às lojas para presentear alguém que amavam com o "último bolachão do imenso pacote do rei".
Curiosamente foi durante esse tempo que a indústria fonográfica no Brasil saiu de um estado de incipiência nos anos 1960 e foi se desenvolvendo até atingir o seu ápice na década de 1990. Foi a era do saudoso vinil e nela RC reinou absoluto por pelo menos 20 anos até deixar de ser o grande campeão de vendas em 1986. Continuou vendendo muito pelo restante da década e nos 1990 não deixou de ter pelo menos 1 milhão ou 1,5 milhão de compradores fiéis que indiferentes à crítica de que suas músicas haviam caído de qualidade, lustraram-lhe a coroa que sua mãe tinha posto em sua cabeça no programa do Chacrinha, em 1966.
Pois bem, só que em meados dos 90's, o vinil já era só um artigo de colecionadores e resilientes em aceitar o advento do CD como a nova mídia dominante do mercado discográfico. Contudo, a empolgação com a tecnologia de leitura das gravações a partir de feixes de raio laser murchou com a pirataria. O mercado começou a ruir gradualmente. Em 1996, RC se despediu oficialmente da mídia que o consagrou, o velho e bom elepê. Coincidência ou não, foi o seu último bom álbum de inéditas, aquele que fechou o ciclo de 31 discos os quais foram presente de Natal de muita gente por este país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Alguém poderia citar o CD "Canciones Que Amo", de 1997 ou o "Amor Sem Limite", de 2000 como exemplos de que o cantor ainda teve fôlego depois de 1996 para produzir bons álbuns. Tudo bem, isso é uma questão subjetiva e de foro pessoal. Entretanto, racionalmente falando "Canciones Que Amo" não é um disco autoral de RC; é, sobretudo, um CD de regravações de clássicos hispânicos. Já o CD póstumo em homenagem à Maria Rita tinha 3 não inéditas repescadas de discos passados. Não era um álbum inteiramente inédito. O último CD completo de inéditas que Vossa Majestade lançou foi "Pra Sempre", de 2003. Lá se vão 19 anos de vãs expectativas pelo novo álbum de inéditas do cantor. Nesse período, Roberto sobreviveu de discos ao vivo, singles e EP's, como "Esse Cara Sou Eu", que em 2012 lhe devolveu brevemente o topo dos bons tempos. Mas por que há quase duas décadas o maior hit-maker do cancioneiro nacional deixa seus fiéis súditos apenas a sonhar com um disco novo de novas canções? 'Cadê o novo disco do Roberto Carlos?', diriam muitos. Discorreremos sobre alguns desses prováveis motivos, baseados em fatos sobre o cantor desde 1998.
1- A vida pessoal e o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)
RC vinha muito bem nos anos 1990, feliz no amor e consequentemente produtivo - apesar de contestado esteticamente - até que um câncer raro na região pélvica de sua esposa começou a abalar seu emocional e por consequência, sua carreira. A maior prova artística disso é o seu mutilado e anômalo CD de 1998 que foi lançado improvisadamente com apenas 4 inéditas de estúdio e 6 clássicos registrados num show ao vivo.Nunca saberemos o que poderia ser aquele seu 39º álbum: um bom disco como os de 1994 e 1996, um 'meia-boca' como os de 1991 e 1992 ou mesmo um descartável como o de 1993. Fato é que a partir de 1998, o público geral e principalmente os fãs do cantor começaram a ficar sem o tradicional disco de fim de ano de Roberto Carlos (nesse caso, inicialmente, sem menos da metade deles). 
O duro golpe na vida pessoal veio definitivamente em dezembro de 1999, quando Roberto perdeu Maria Rita Simões Braga aos 38 anos de idade. Nada poderia ser mais cruel para um artista autobiográfico e que compôs suas grandes canções tendo como musas inspiradoras as mulheres que amou. Roberto saiu de cena por quase um ano dos palcos, da TV e dos estúdios. A dor era muito grande. Quando voltou em novembro de 2000 num show em Recife, seu imenso público o abraçou e confortou-lhe. Todavia, aquele Roberto Carlos que Caetano recomenda a todos ouvir na letra de "Baby", havia saído de cena para até hoje não voltar. As  baladas românticas de desamor foram extirpadas de sua obra corrente no século XXI. A questão aí era quase uma distopia pessoal: RC queria compor e encomendar canções como se a esposa ainda estivesse presente fisicamente. Até a parceria com Erasmo Carlos foi arquivada; as canções inéditas rarearam. Roberto Carlos automutilou-se musicalmente como nenhum outro artista na história. Em meados dos anos 2000, descobriu ser as suas famosas manias e superstições resultantes do TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Músicas como "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno", que o coroara "Rei da Juventude", e "Negro Gato", foram pulverizadas de seu repertório. O artista mais icônico da nossa música se tornou uma caricatura de sua viuvez inaceitada. Maria Rita falecera e levara com ela a faceta mais genial do cantor mais exitoso do país. Sem musas, RC esmilinguiu-se criativamente; passou a viver dentro de uma bolha musical. Não se permitiu mais nada, a não ser cantar seu eterno amor pela esposa falecida. Tornou-se previsível e redundante, apesar de ter acertado em algumas canções.
2- A pirataria e a mudança de paradigma no mercado fonográfico 
Para que o RC das antigas sobrevivesse ao novo milênio, o mercado de discos teria que permanecer basicamente sem grandes alterações, mesmo que digitalizado.O fãs do cantor nutriram durante aqueles 31 anos a expectativa de sempre atualizar sua coleção. Contudo, como já dito aqui, a pirataria da era digital desferiu um golpe mortal no mercado. RC procurou usar seu prestígio e popularidade junto a outros artistas a fim de combater esse mercado ilegal. A verdade é que não deu certo. Aí quando lançou em 2003 seu último álbum de inéditas, cercou-se de todos os cuidados, lacrando a matriz do disco e guardando-o num banco. Para ele que tem um público enorme e fiel, até deu resultados, pois "Pra Sempre" vendeu 1,5 milhão de cópias. Porém, não deixou de haver cópias piratas vendidas a preço de banana. O cantor, desde então, não lança um álbum completo de inéditas. Numa entrevista mostrada em parte no link acima com seu produtor, Mauro Motta, este revela que a produção de um CD de 10 faixas do cantor girava em torno de 750 mil reais e que a pirataria desistimulou-o a passar tantas horas trabalhando dentro de um estúdio, às vezes pela madrugada, para lançá-lo e ter que competir com um mercado paralelo ilegal. 
O problema da pirataria de CDs e, posteriormente, DVDs começou a desaparecer somente com a implosão do mercado físico de música - gradualmente no Brasil a partir de 2011. Em 2016, os serviços de streaming já se faziam notar principalmente entre a juventude. Hoje, na terceira década do século XXI, os aplicativos de música são a realidade de um mercado bastante volátil e que sobrevive não de ábuns com 10, 12 músicas como no passado, mas de singles lançados a cada dois meses. De certa forma, RC veio ao seu jeito adaptando-se a esse novo paradigma musical, pois como não produz mais com a mesma intensidade de outros tempos, tornou-se até conveniente ele lançar sua parca produção em plataformas digitais.
Logo após o falecimento de Maria Rita, em 1999, a Sony incluiu o single "Todas as Nossas Senhoras" na Coletânea "30 Grandes Sucessos", Volume I, que procurava preencher um pouco do vazio que ficara com o "ano sabático do cantor". Depois de "Pra Sempre", ele lançou os seguintes singles: "A Mulher Que Eu Amo" (2009), esta bem mais tarde incluída no EP "Esse Cara Sou Eu", de 2012. Antes deste EP de 4 faixas ser lançado, a faixa-título e mais o funk-melody "Furdúncio", foram lançados como singles. Estamos falando de inéditas, mas não custa lembrar que para o álbum "Primera Fila", de 2015, os clássicos "Eu Te Amo, Te Amo, Te Amo" e "As Curvas da Estrada de Santos", foram liberados antes como singles, reforçando que o rei procurou mesmo se adaptar ao novo modus operandi do mercado. Em dezembro de 2016 chegou às plataformas digitais o dueto "Chegaste", com Jennifer Lopez e em 2017 "Sereia" e "Que Yo Te Vea". Ainda como singles inéditos, foram lançados em 2018 para posteriormente compor o álbum "Amor Sin Límite", para o mercado hispânico, a balada "Regreso" e "Esa Mujer", com Alejandro Sanz. A última canção lançada por RC, em 17 de novembro de 2021, foi "A Cor do Amor", em duo com a cantora paraense Liah Soares. É bem sintomático que esse single é mais um 'filho sem pai' por não fazer parte de nenhum álbum nem mesmo de um EP. Também por não se tratar de uma composição de RC nem mesmo sozinho, muito menos com Erasmo Carlos. É uma coautoria da propria Liah com Iana Marinho. Concluímos que o aguardado álbum de inéditas do rei do pop latino se tornou artigo raro por dois principais motivos: a mudança do mercado discográfico e o declínio criativo do artista. Este segundo motivo pode ser tanto pela limitação natural da idade, quanto pela falta de uma musa que inspire Roberto a compor profusamente como em suas melhores fases.
Fontes:
Livro O Réu e o Rei, Paulo Cesar de Araújo, Editora Companhia das Letras, 2014

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