COMO OS ESPECIAIS DE RC CAÍRAM NA MESMICE E INSUFLAM MEMES DE DEBOCHE TODO ANO

 

Abertura do 1º especial em 1974
Fonte: Memória Globo

Faz pelo menos uns 20 anos que os especiais de Natal de Roberto Carlos caíram numa mesmice e o público geral não mais se entusiasma pela aparição anual do cantor. Esta, por sinal, tem motivado muitos que não simpatizam com o artista a postarem memes de 'descongelamento' nas redes sociais, que explícita ou implicitamente atribuem-lhe um sinal de esgotamento criativo, repetitividade e uma figura caricata. Particularmente, como fã do cantor desde os meus 4 anos de idade, isso me incomoda muito. Incomoda-me, pois sou obrigado a concordar relativamente com essa pixação digital, mas com a ressalva de que o próprio artista é responsável em grande parte por tudo isso. Como assim? Diriam-me muitos fãs apaixonados e é o que procurarei responder abaixo.
É redundância reconhecer que o auge criativo de RC ocorreu nas décadas de 1960,70 e 80 (pelo menos até à sua primeira metade). Nos anos 1990, reconheçamos, o rei do pop latino ainda esteve bastante produtivo; contudo, suas músicas de trabalho perderam qualidade. Foi, porém, no pós-falecimento de sua esposa, Maria Rita, em 1999, que a crise produtiva se abateu sobre o maior hit-maker da América Latina. Em 22 anos, RC lançou apenas 27 canções inéditas, o que dá, em média, pouco mais de 1 lançamento inédito a cada ano. Isso se reflete evidentemente no crescente desinteresse do grande público por seus especiais, já que os clássicos cativam seu público fiel e os convidados especiais cativam o público geral desde que sejam artistas da atualidade. Mas o fato é que todos os públicos queriam vê-lo e ouvi-lo apresentar na TV seus novos e mais recentes lançamentos, como era habitual nos velhos tempos. Somente por este fato, as novidades fugiram do programa do cantor. Desde o CD "Pra Sempre", lançado em 2013, Roberto não lança um álbum completo de inéditas em português. A carência de seu público cativo já era tanta, que neste ano ele vendeu 1,5 milhão de unidades num período em que o mercado de streaming ainda engatinhava no Brasil.
Por tudo o que pesquisamos, além do natural fenecimento criativo do artista e de seu engessamento em compor apenas canções que celebrem o amor eterno, a pirataria da era digital foi o primeiro motivo verficável dos 19 anos sem brindar seu público nativo com um novo de inéditas. A atual realidade do mercado mundial de streaming digital só potencializou a escassez de novas canções.Neste, o mercado físico de CDs e DVDs já golpeado pela pirataria desde meados da década de 1990 foi nocauteado de vez. Sem a mídia física, tornou-se inviável mercadologicamente lançar de uma só vez várias músicas, pois o artista precisa da música certa e do tempo necessário para viralizar aquele novo lançamento. A viralização ocorre muito mais rapidamente do que a necessidade de divulgação de rádio em rádio e de TV em TV como nas eras do vinil e do CD. Por adaptação ou por escassez produtiva, RC lançou 8 singles de 2009 pra cá. A média fica abaixo de uma canção por ano; quer dizer, é quase como se ele lançasse algo inédito apenas a cada 2 anos, aproximadamente. É muito pouco se comparado aos artistas de maior apelo digital no momento como Gusttavo Lima, que lança, pelo menos, 2 novos singles por mês. Na opinião deste autor, mais do que a crise ou a nova realidade do mercado, RC vive há quase uma década um esgotamento criativo.
Os especiais propriamente ditos
Abertura do Especial de 1979, um dos melhores que já fez
Fonte: Memória Globo
Os primeiros oito especiais de RC foram dirigidos por Augusto Cesar Vanucci, um mago desse tipo de programação, falecido em 1992. Ao todo, Vanucci dirigiu 12 especiais do cantor tendo-o dirigido em boa parte de sua grande fase criativa. Não por acaso, os melhores especiais, os especiais temáticos, foram dirigidos pelo mineiro de Ubá, como "O Circo Eletrônico da Televisão", de 1979, o de 1981, o de 1985,"Um Circo Chamado Brasil", de 1986 e o de 1988. Outro grande especial, o de 1982, foi dirigido por Guga de Oliveira. O também falecido Roberto Talma, dirigiu 10 especiais do rei, mas o dirigiu num fase já pouco criativa entre 1998 e 2010. Este ano de 2022, o diretor Mário Meirelles - alguns em parceria com o próprio Talma e com outros - se tornará o recordista em direção dos especiais do cantor com 13 participações. Talma e Meirelles dirigiram na imensa maioria das vezes tão somente um show gravado com a presença de uma plateia vip de globais, o que justamente se tornou mais do mesmo que o grande público passou a enjeitar. Com Vanucci, havia gravação de externas,clipes fora do Brasil, quadros seguindo o roteiro temático e com Guga de Oliveira, em 1982, houve até gravações de nível cinematográfico nos estúdios da extinta Companhia Vera Cruz. As novas gerações de pouco mais de 30 anos para baixo não viram essa fase dinâmica dos especiais de Natal do cantor e, dado a repetividade e a falta de canções de apelo (a última foi "Esse Cara Sou Eu, de 2012), a tendência natural é a enjeição, pois a TV tem um público que não perdoa a redundância.
Falando especificamente em repetitividade, é impressionante a capacidade de RC de se autorrepetir. Um cantor com mais de 600 canções gravadas e mais de 200 hits não pode se "dar ao luxo" de surrar sem dó apenas duas dúzias delas. A classissíma "Emoções", composta e lançada em 1981 foi apresentada ao público curiosamente no encerramento daquele especial. A partir do especial seguinte, o de 1982, ela já apareceu na abertura como uma espécie de vinheta do programa natalino do cantor. Em 36 especiais, o fox que tem como mote a relação do artista com o palco e sua plateia, foi cantado em 34 oportunidades. Mesmo quando pareceu que não seria cantada, como em 2015 e 2019, "Emoções" surgiu quase inesperadamente da metade para o fim do especial. Mas para a incredulidade talvez de alguns, ela deixou sim de aparecer em dois especiais: o de 1984 e o de 1991. Neste último ano e em 1992, RC até a substituiu por "Cenário", composição de seu maestro Eduardo Lages e de Paulo Sérgio Valle que até glosa sua irmã mais famosa ao final do verso "Mas cada vez que as luzes/se acendem sobre mim/de novo a mesma história, o mesmo fim". A verdade é que o cantor tem uma verdadeira obsessão tanto pela canção, quanto pelo substantivo que repete como um mantra todos esses anos, desde 1981. A palavra compõe uma caricatura que Roberto desenhou de si mesmo e fez com a que a espetacular gravação original com arranjo do americano Torrie Zito (um dos maestros de Frank Sinatra, então) ficasse desidratada.
Fora o indefectível bordão "são tantas emoções", Roberto abusa há anos de frases como "que prazer rever vocês" e "eu gostaria de dizer muitas coisas, mas acho que digo melhor cantando", no início do especial, e no fim "obrigado, obrigado. Obrigado por esse amor, por esse carinho, por todas essas coisas lindas que tenho recebido de vocês todos esses anos". Esse é o mesmo roteiro de frases prontas nos shows ao vivo. A única coisa diferente foi quando em julho deste ano, o cantor mandou do palco um 'cala boca, cara, porra!' para um fã que berrava atrapalhando sua concentração ao cantar "Como é Grande o Meu Amor Por Você".
Mas voltando à questão das canções,a medalha de prata das mais repetidas em 46 especiais vai para... "Detalhes". Até o ano passado, 2021, ela já foi cantada 22 vezes. A cena mais associada a este hit de 1971 é vê-la Roberto cantando-a acompanhando-se ao violão. Páreo duro para "Detalhes" e medalha de bronze das mais executadas é "Jesus Cristo" que foi repetida 21 vezes, principalmente no encerramento. Números significativos têm também "Como é Grande o Meu Amor Por Você" (18), "Outra Vez" (17), "Amigo" (14) e "Proposta" (13). É claro que todo artista tem um punhado de canções que os fãs semprem pedem e não podem faltar ao set list do show. Todavia, RC como artista de maior êxito da nossa música jamais deveria ficar preso a esse verdadeiro ritual. Portanto, não é sem razão que os haters fazem chacota do rei dizendo que ele é 'descongelado' pela Globo todo final de ano para cantar 'as mesmas músicas'.
Um dos memes encontrados na internet

Há anos pergunto-me se o conhecido medo de arriscar de RC, o seu TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) ou algo como privilegiar comercialmente os grandes hits compostos em parceria com Erasmo Carlos seriam a explicação dele, pouco ou quase nada mudar em seu repertório de shows e especiais. Nem mesmo o fato de, em meados deste ano, Roberto e Erasmo terem perdido na Justiça o direito de propriedade sobre 99 músicas compostas entre as décadas de 1960 e 1990, justificariam a repetitividade de seu set list. Neste caso, foram 72 músicas para a editora Fermata e 27 para a Irmãos Vitale. A lista da Fermata inclui canções como "E Por Isso Estou Aqui" (1967), "É Preciso Saber Viver" (1974), "Namoradinha de Um Amigo Meu" (1966), "Preciso Chamar Sua Atenção" (1976) e "Se Você Pensa" (1968). Já a da Irmãos Vitale inclui "Broto do Jacaré" (1964), "É Preciso Ser Assim" (1963), "Mexerico da Candinha" (1965), "Não Quero Ver Você Triste" (1965) e o mega-hit "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno". A maioria das músicas não foi gravada por Roberto Carlos, mas por Erasmo e nem todas na lista acima são clássicos absolutos. É importante observar que o fato dessas canções serem juridicamente propriedade das referidas editoras, Roberto e Erasmo não são proibidos de cantá-las e até podem vetar possíveis alterações de letras, arranjos e o uso publicitário das mesmas e mais ainda: recebem os roaylties a que têm direito por execuções públicas e gravações. Então, não é por falta de opção que Roberto pouco mexe na grade musical de seus especiais.
Uma outra característica do cantor é jamais revisitar verdadeiras obras de arte que muito provavelmente só cantou ao ensaiá-las e no dia da gravação. São os antigamente chamados "Lado B", um dos mais luxuosos do cancioneiro nacional. Só como alguns exemplos, temos "Você Não Serve Pra Mim" e "Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim", de 1967, "À Janela", "Você Já Me Esqueceu" e "O Divã", de 1972, "O Tempo Vai Pagar", de 1968, "Aceito Seu Coração" e "Do Outro Lado da Cidade", 1969, "Abandono", de 1979, "Confissão", de 1980, "A Menina e o Poeta" e "Por Motivo de Força Maior", de 1976, "Simples Mágica" e "Quando o Sol Nascer", de 1981 ou "A Primeira Vez", de 1978. São muitas pérolas que certamente o ajudariam a livrar-se da pecha de 'redundante'.
Já em termos de convidados, há fãs que questionam a participação nos últimos tempos de artistas que pouco têm a ver com o seu universo, como Simone & Simaria, Anitta e Ludmila. Seria por causa da audiência? Já artistas requintados como Ivan Lins, Ney Matogrosso, Flávio Venturini e até mesmo popularescos como Amado Batista e Fernando Mendes caíriam bem melhor. É até compreensível que pela obra que dividem há quase 60 anos, o Tremendão Erasmo Carlos seja o recordista em participações nos especiais de seu 'amigo de fé e irmão camarada', com 27 vezes. A 'maninha' Wanderléa vem atrás com 10 participações. Fora dos amigos da Jovem Guarda, Maria Bethânia e Chitãozinho & Xororó são os artistas mais convidados pelo rei, com 4 participações. Roberto já lançou muita gente e ajudou a consolidar gêneros como o Rock Brasil, a MPB pós-tropicalista e o sertanejo, tanto o de feições mais românticas, como o chamado 'universitário'. Uma boa ideia de renovação de seus especiais seria nos moldes do documentário que a TV Record apresentou em 2021, por ocasião de seus 80 anos. A preocupação do programa foi resgatar o Roberto Carlos roqueiro, coisa que as novas gerações desconhecem. Poder-se-ia alternar a exibição dessas imagens com um set list mais voltado para essa fase mais jovem. Enfim, o especial do maior ícone da música brasileira sofre há alguns bons anos pela falta de boas ideias e revigoramento, o que infelizmente contribui para uma caricatura que não diz nem reflete a dimensão artística e a importância musical de Roberto Carlos. A fama de censor, compulsivo e a cena do filme que manda um de seus assessores jogar uma nota de dinheiro amassado para Tim Maia nos corredores do Teatro Record*, nos anos 1960, também ajudaram bastante no distanciamento do público geral de seus especiais.
*O filme em questão foi "Tim Maia, do diretor Mauro Lima, de 2014, baseado no livro "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia", de Nelson Motta. A cena foi um fato, mas Roberto Carlos questionou que nunca ficou sabendo da humilhação ao ex-companheiro da Tijuca por um de seus funcionários, na época.   
    
   

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O QUANTO AS CANÇÕES DE RC REVELAM COMO ELE E SUAS MULHERES ERAM NOS SEUS 3 'CASAMENTOS'? (I PARTE- NICE)

O QUANTO AS CANÇÕES DE RC REVELAM COMO ELE E SUAS MULHERES ERAM NOS SEUS 3 'CASAMENTOS'? (II PARTE- MYRIAN RIOS)

AS DORES, PERDAS E REVEZES DE ROBERTO CARLOS - UM HOMEM QUE TEVE DE RECOMEÇAR VÁRIAS VEZES