ROBERTO CARLOS 'PUXOU O TAPETE' DE RITCHIE NA CBS?
Roberto Carlos em 1982 |
Pois quando o inglês de Beckenham lançou "E a Vida Continua", seu segundo álbum, e assim fincar raízes na Terra de Vera Cruz, sentiu, segundo ele próprio, uma má vontade da gravadora CBS em divulgar seu novo disco. Ritchie não entendia o que se passava e mesmo assim foi adiante ainda fazendo certo sucesso com "A Mulher Invisível" e principalmente "Só Pra o Vento", tema da personagem de Christiane Torloni na novela "A Gata Comeu". O disco vendeu lá suas 100 mil cópias, mas enormemente distante da marca obtida por conta principalmente de "Menina Veneno", que ocupou as paradas por mais de 1 ano.
Foi então que o ex-companheiro de Lulu Santos e Lobão na banda setentista Vímana leu uma entrevista de Tim Maia à revista Isto É. Nesta, o rei do soul brasileiro - e das polêmicas - afirmava que RC havia "puxado o tapete" de Ritchie na então CBS porque seu sucesso o incomodara pelo fato de Roberto ser o grande nome da gravadora. De acordo com o livro "Pavões Misteriosos - 1974-1983: a explosão da música pop no Brasil" lançado pelo jornalista André Barcinski, um dia Ritchie foi a um show de Tim no Canecão e ao recebê-lo em seu camarim, o Síndico exclamou em alto e bom som "Agora todo mundo pra fora, que vou receber meu amigo Ritchie, o homem que foi derrubado da CBS pelo Roberto Carlos".
O próprio livro transcreve uma declaração de Claudio Condé, então diretor da multinacional, na qual afirma "Isso é viagem. O Roberto nunca teve esse tipo de ciúme".
O próprio Ritchie considera improvável que Roberto tenha feito isso, pois naquela época diz que o rei sempre o tratava com muito carinho e o recebia atenciosamente em seu camarim nos seus shows. É verdade que ele não descarta que pessoas ligadas ao staff de RC talvez o tenham feito - pois, pra estes sim, seu sucesso incomodava - sem o cantor ter conhecimento disso.Declarações importantes como a de Wanderléa afirmam justamente o contrário da verdadeira lenda que se criou em torno do assunto. Ela diz que durante o auge do sucesso do álbum "Voo de Coração", ia a casa de Roberto e constatou que o amigo e companheiro de Jovem Guarda estava quase furando o disco de Ritchie de tanto ouvi-lo. A Ternurinha fez questão de contar isso a Ritchie durante encontro no universo do show biss.
Nesse disse-que-disse, o artista que teve a sua "Menina Veneno" como o maior sucesso de 1983 culpa realmente o filho de Chacrinha, Leleco Barbosa, por sua derrocada inesperada no disco posterior. É que o Velho Guerreiro trocava a escalação dos artistas em seu "Cassino" por participações em shows apresentados por ele pelo subúrbio do Rio. Num desses, Ritchie estava com a sua agenda lotada e disse a Leleco que seu empresário não o havia liberado para participar da caravana. Leleco considerou aquilo uma traição e como retaliação procurou fechar as portas do programa sabatino a Ritchie, o que teria dificultado a divulgação de "E a Vida Continua".
Capa do álbum "Voo de Coração". Sucesso absoluto |
Ainda assim, o mito de que RC prejudicou Ritchie permanece até os dia hoje, principalmente após uma entrevista do cantor e compositor Michael Sullivan a Clemente Magalhães, o Cle, em seu canal "Corredor 5", no You Tube. O you tuber pergunta sobre o assunto a Sullivan, mas Raimundo Fagner que o acompanhava, retrucou a negativa do ex-integrante dos Fevers deixando no ar que RC teria perseguido sim seu ex-colega de gravadora.Curioso é que na mesma entrevista Fagner revela o motivo de ter deixado a CBS em 1986. O artista cearense estava descontente com a equipe de divulgação da gravadora, que, no seu entender, priorizava o álbum "Rádio Pirata Ao Vivo", do RPM, fenômeno de vendas que alcançou impressionantes 2,7 milhões de unidades vendidas. Este fato, inclusive, serve-nos de contra-argumento à estória de RC com Ritchie.
Ponderações sobre a suposta perseguição de RC a Ritchie
1- Se em 1984, RC mandou eclipsar Ritchie por ter vendido bastante (1,3 milhão), mas menos do que ele (2 milhões, 350 mil), não teria muito mais motivos, em 1986, para puxar o tapete do RPM que atingiu 2 milhões e 700 mil, enquanto ele vendeu 2 milhões?
2- As duas músicas de trabalho de "E a Vida Continua", ainda assim tiveram a Rede Globo como vitrine (na época, um canhão de divulgação e líder absoluta em audiência). "Só Pra o Vento", como dissemos foi trilha da novela "A Gata Comeu", grande sucesso do horário das 6 e tema da personagem principal. Além disso, foi divulgada no clipe do Fantástico. "A Mulher Invisível" teve clipe e também foi apresentada em outros programas da Globo como o Balão Mágico.
3- É mais fácil ver que Ritchie não teve tantas músicas de apelo como em seu 1º LP e nenhuma semelhante ao mega-hit "Menina Veneno", pois ele mesmo relata que quis fazer um disco diferente do primeiro.
4- Quando Ritchie despontou no verão de 1983, as bandas e artistas-solo do Rock Brasil estavam surgindo ainda. No biênio 1984/85, o mercado já estava dominado e a atenção do público se voltou maciçamente para o chamado BRock, principalmente após o Rock In Rio.
5- Aliás, uma das grandes frustrações de Ritchie foi justamente não ter sido convidado para o megaevento idealizado pelo empresário Roberto Medina. Teria sido por influência de RC também?
6- Mas a verdade que o artista inglês foi decaindo criativamente cada vez mais. Em "Circular", seu 3º álbum, de 1985, a única faixa de relativo destaque foi "Telenotícias". O álbum pode ser considerado comercialmente um fracasso, já que vendeu apenas 60 mil cópias.
7- Em 1986 ele ainda teve um sobrefôlego ao descolar um certo sucesso com o single "Transas", que fez parte da trilha sonora da novela "Roda de Fogo". Lançada num compacto já pela Polygram, ela ganhou o Troféu Imprensa de melhor música do ano, mas seus autores eram Nico Rezende e Paulinho Lima. Lançada posteriormente no álbum "Loucura & Mágica", nem assim alavancou vendas, pois atingiu somente 25 mil unidades comercializadas.
Ano após ano, Ritchie foi sumindo da mídia e mesmo numa empresa conceituada como a Polygram (atual Universal Music), não repetiu jamais a performance de "Menina Veneno" e do álbum que a incluía. E todo esse ostracismo gradual foi culpa de Roberto Carlos? É uma lenda urbana que se aproveita da enorme repercussão do nome do cantor e os crédulos de plantão dão crédito porque desejam avidamente a polêmica em torno de alguém como ele.
Ao longo de 57 anos de reinado, RC se caracterizou por ajudar muitos colegas a se consolidarem na carreira, como a dupla Os Vips, o cantor Ed Carlos, Agnaldo Timóteo, Wanderley Cardoso, Antonio Marcos, Kátia, Rosemary, Jairzinho & Simoni, Gabriela, Rosanah Fiengo, Djavan, Paula Fernandes e outros. No seu especial de 1982, deu oportunidades a recém-surgidas cantoras como Joyce, Jane Duboc, Zizi Possi e Joanna. No de 1985 convidou a banda Ultraje a Rigor como representante do BRock que havia se tornado febre comercial. E no de 1986 antecipou pelo menos em 4 anos o fenômeno do sertanejo ao convidar as duplas Chitãozinho & Xororó e Chrystian & Ralf.Mesmo outras lendas e histórias de rivalidade com Ronnie Von e Paulo Sérgio foram respondidas com muito trabalho e nos parece inconcebível que um astro da sua dimensão se preocupe em prejudicar a carreira de colegas com todo o suor que lhe custou atingir o sucesso e a fama. Portanto, a estória que lhe atribuem de ter 'puxado o tapete' de Ritchie soa-nos muito mais como oportunismo de quem quer justamente promover-se praticando aquilo que dizem ele praticar.
*Atualizado em 27/07/2023, às 17:19
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